quinta-feira, junho 29, 2006

Uma família de nada que tudo tinha...

> foto daqui.
Nada tinha a família do nada,
Por “de nada” se chamar,
Tinha muito mais do que aquela,
Que de tudo se quer gabar.

Tinha flores, pedras, luzes,
Mágoas, sufocos e cruzes,
Tinha amigos, passeios,
Abraços, de carícias cheios.

Eis que um dia,
A família “de nada”,
Se cruzou na rua, coitada,
Com a gabarolas, vadia.

Humilhada, ofendida,
Maltratada foi e será,
Por quem na sua vida,
Nada faz, nem fará.

Nada faz por bem,
Porque não quer trabalho,
Trabalhe quem não tem,
Notas de Euro em baralho.

Do trabalho,
Que outros suaram,
Penaram.

quarta-feira, junho 28, 2006

QUANDO A MORTE NÃO SIGNIFICA MÁ SORTE


Contrariamente aos arrepios e angústias que a carta/lâmina de Tarot representada inspira a quem consulta um tarólogo e esta se lhes depara, a mesma não auspicia a Morte, pelo menos a morte física a que imediatamente temos a tendência de a associar. O nome da carta não existia sequer nos primeiros baralhos de Tarot, sendo simplesmente designada como Arcano sem Nome. Trata-se da carta 13 do conjunto dos 22 arcanos superiores. Talvez seja por esta razão que o próprio número 13 é visto como um sinal de maus augúrios. A palavra Morte só terá aparecido associada à carta nos novos baralhos com tendências ocultistas da Tarologia.
Contrariamente a toda esta fama negativa, ela simboliza precisamente a mudança, a renovação, enfim, uma “morte” necessária para uma nova etapa da vida.
Didier Derlich explica-nos precisamente esta ideia nas seguintes palavras:

O seu simbolismo, um dos mais ricos do Tarot, exprime a omnipotência da vida. E a carta não contém nenhuma negatividade, desde que compreendamos a importância da mudança e da metamorfose, assim como o papel que elas desempenham nas nossas vidas. A mudança causa quase sempre medo. Sabemos o que perdemos, não sabemos o que ganhamos. Sabemos de onde vimos, não sabemos para onde vamos. (Didier Derlich, Guia Prático do Tarot, Pergaminho, p. 150)

Se pararmos para pensar todos os dias nos deparamos com a morte de alguma coisa, todos os dias experimentamos o fim de algo. É precisamente neste espírito que se enquadram as várias formas da morte, seja ela morte episódica, física ou espiritual. Todos os dias nos deitamos e acordamos para um novo dia cheio de possíveis novos desafios, todos os dias pensamos que o presente consumado pode dar lugar a algo que nos surpreende da melhor ou da pior maneira. Todos os dias terminamos coisas que jamais voltamos a empreender. Todos os dias sentimos esperança de mudar alguma coisa nas nossas vidas, ou seja, ansiamos sempre por alguma forma de “morte”.

Para parafrasear e ajudar(-me) a desfazer o irremediável medo que as pessoas têm da morte propriamente dita, não será de pensar que há tantos vivos que parecem mortos e há tantos mortos que permanecem vivos pelas maravilhosas obras que cá deixaram, ajudando à concretização de verdadeiras transformações na vida e na cultura dos seus tempos?!

Termino esta prelecção sobre a péssima tendência que as pessoas (e) eu têm(os) para, por vezes, negativizar(mos) a(s) vida(s) e a(s) morte(s) socorrendo-me de um pequeno texto que encontrei num livro sobre interpretação de sonhos, que vai de encontro ao que o meu primeiro citado deste artigo preconiza sobre uma carta que da morte simplesmente sugere um cadáver em decomposição.

Sonhar que estamos a morrer: quando sonhamos que somos nós que estamos mortos, trata-se de um sonho de muito bom agoiro, pois significa que vamos indeferir uma etapa não muito satisfatória da nossa vida para empreender outra que será mais alegre e benéfica. Esqueceremos recentes mágoas e dissabores, já que perante nós se abre um futuro cheio de êxitos e ganhos. (Grande Dicionário dos Sonhos, Girassol, p.240).
E viva a “morte”, a renovação, a coragem de mudar para melhor.

segunda-feira, junho 26, 2006

Maniqueísmos...

Em primeiro lugar, peço desculpa pela intermitência com que escrevo alguma coisa para este blog, embora por outro não tenha que pedir desculpa porque nele sou livre, ou não, porque esperam sempre que escreva alguma coisa. Mas também mais vale não escrever do que escrever por escrever, e umas vezes estou inspirado, outras nem por isso.
E já aqui vão vários opostos, que espero fazer de acordo com o título que arranjei para mais este artigo.
«Maniqueísmos» resulta de uma frase de Baltassare Castiglione que extraí do livro Lucrécia Borgia, biografia da autoria de Geneviève Chastenet, que me encontro a ler.
Rezava assim Baltassare Castiglione:
«A querer fazer desaparecer os vícios, fazemos desaparecer as virtudes».
Esta frase aplicada ao contexto do Renascimento Italiano em que no seio da própria Igreja o respeito pelos dogmas não era acompanhado pela tentação da carne, facilmente pode ser trazida para hoje, e aplicada desde que o Homem existe, revelando a propensão da Humanidade para aceitar tudo, para se completar com o que diríamos de bom e de mau, e sobretudo para valorizar umas coisas em detrimento de outras. Também só havendo contrapontos as coisas fazem sentido, porque só assim as podemos arrumar em categorias qualitativas, só assim podemos discernir entre aquilo que consideramos bonito-feio, grandioso-insignificante, saboroso-azedo, alegre-triste, carnal-espiritual, frontal-hipócrita.
O que seria do bem se não houvesse mal, do criterioso se não houvesse o negligente, do fantástico se não houvesse o factual?
De mim se não existisses tu? De ti, se não estivesse aqui?
De nós se não existissem eles?
Do futuro, se não houvesse um passado?
Da Lucrécia Bórgia, se não houvesse historiadores de tantas épocas que a afamaram e difamaram?
É no oposto que, acredito, muitas vezes nos encontramos a nós próprios, porque é nele que encontramos aquilo que não queremos ou não sabemos ser, mas também muitas vezes aquilo que não somos porque não temos coragem para dar o salto! Que não somos porque somos outra coisa que não aquela...