> Imagem daqui, aludindo à marcha das mulheres de Paris sobre Versalhes, onde Maria Antonieta, a culpada de todos os males de Franca, residia com a sua família.
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O Século de D. Luís
O século XIX pode ser considerado, entre outros aspectos, como o século do Liberalismo e da burguesia triunfante.
Do Liberalismo porque a partir da Revolução Francesa (1789), se vão espalhando pela Europa novos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Ideais que não foram os de uma população inteira, mas sim de uma camada social, que tendia a afirmar-se perante a cada vez maior pauperização das camadas baixas da população. Estou a referir-me à burguesia de grandes comerciantes, banqueiros e industriais[i], que nos países mais desenvolvidos detinham os meios de produção, perante os operários assalariados que, face a um grande aumento demográfico vêem as suas condições de vida piorar[ii].
Em Portugal, que só experimentaria um desenvolvimento a partir de meados do século XIX, a situação era bem diferente, pois havendo uma burguesia, esta iria ocupar o lugar da nobreza terratenente, quer laica, quer religiosa, que se viu gradualmente desapropriada das suas terras devido à desamortização, “processo legislativo complexo, que se traduziu no desmantelamento de corporações e de estabelecimentos religiosos e laicos e na incorporação dos seus bens na Fazenda Nacional, nalguns casos, e, em todos, na transferência, em seguida, para o domínio privado, por meio de venda ou remição em hasta pública, dos bens imóveis considerados de mão morta”[iii]. Essa venda dos bens nacionais intensificou-se sobretudo a partir da vitória definitiva, em 1834, do Liberalismo em Portugal, posteriormente questionado pelas teses socialistas e republicanas.
Da burguesia triunfante devido à sua aptidão para o trabalho, nos países em franco desenvolvimento. Ao invés, a nossa burguesia tornou-se, com o tempo, tão ociosa como a nobreza fundiária, era uma nova aristocracia, comprando as terras por ninharias, com sua pouca vocação para o investimento. Esta vai gerar uma burguesia de gabinete, de bacharéis, formados na universidade, com vista ao funcionalismo público, emprego seguro para pessoas que não gostam de arriscar investindo. Antagonicamente, existia toda uma população analfabeta, de pequenos agricultores, frades e artesãos, que, sendo considerados, segundo as novas noções liberais, cidadãos políticos passivos, não votavam pois não podiam pagar. Estava-se num liberalismo, reconhecidamente censitário, a nível europeu, e camuflado ao nível do nosso país, devido à radical, inovadora e efémera Constituição de 1822, que não refutava mas também não consagrava aquele princípio. Por falar em constituição, é de referir que este foi o grande século do constitucionalismo, das legislações feitas em prol de toda a população de um país, reduzindo os poderes dos monarcas, que de delegados de Deus, portanto, acima da lei, passam a governar mediante a lei – e que monarca exemplar foi D. Luís, como respeitador da Constituição Política da Nação Portuguesa[iv].
A nossa história constitucional, durante o século de Oitocentos, é bastante rica, e preencheu e deu vida à primeira metade daquele. Em 1822 surgiu, num palco em que se movimentavam elites revolucionárias e contra-revolucionárias, a Constituição de 1822, texto radical promulgado pelo Soberano Congresso Constituinte. Este texto dificilmente se poderia impor num país com forte tradição paternalista monárquica, aliada à grande influência da religião católica. Contudo, não era com um texto que a situação de pobreza de um país devastado pelas invasões napoleónicas e pela tutoria dos aliados ingleses se resolveria. De qualquer modo este impôs-se, sendo jurado por D. João VI, e detestado por D. Carlota Joaquina e D. Miguel, símbolos do absolutismo monárquico português, insatisfeitos com o poder de veto meramente suspensivo, para além do poder simbólico. Mais tarde, em 1826, ano da morte do rei D. João VI, D. Pedro IV, abdicando em nome de sua filha D. Maria da Glória, vai, de forma contemporizadora, outorgar aos portugueses a Carta Constitucional de 1826, numa tentativa de equilibrar a soberania da nação com os poderes do rei, que aumentam até ao nível do veto absoluto, estando reconstituídos parte dos poderes efectivos da realeza, que detendo o poder moderador, estava protegida por uma câmara alta de pares do reino, nomeados pelo rei, para evitar imposições desagradáveis da outra câmara, a dos deputados eleitos.
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[i] Dreyfus, François, O Tempo das Revoluções 1787-1870, Publ. Dom Quixote, Lisboa, 1981, p. 204: “Face a estas classes tradicionais, nasce da revolução económica uma nova classe ligada à poupança, à industrialização, ao desenvolvimento do crédito e ao progresso da instrução. Porque a Revolução Industrial é ainda, no século XIX, o feito de países onde domina o protestantismo”.
[ii] Idem., p. 206: “O êxodo rural e o desenvolvimento da indústria conduzem à formação de um proletariado industrial. A sua condição de vida é miserável. São obrigados a uma jornada de trabalho de catorze a dezasseis horas”; p. 211: “E a esta sujeição do operário vem juntar-se uma vida material muito dificil. Os salários continuam muito baixos até cerca de 1850”.
[iii] Silva, António Martins da, “O Fenómeno Desamortizador e sua Inserção Histórica”, in História de Portugal, dir. de José Mattoso, Círculo de Leitores, 1993, vol. 5, p. 339.
[iv] “O Rei D. Luís e a Sociedade de Geografia de Lisboa”, in. Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, red. e admin. na S. G. L., Lisboa, série 80.ª, n.ºs 7-12, p. 157: “Como Rei, foi liberal, como homem foi bom”.
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