terça-feira, agosto 29, 2006

O mérito não é hereditário...


imagem do site www.eca.usp.br/.../njr/voxscientiae/edith31.html

- É verdade que, nas ordenações de Março, pretendeis instalar Nicéforo como bispo de Trevi?
- É.
- O homem é um grego! – Protestou Daniel.
- E isso que interessa?
- Uma posição tão importante tem de ser para um romano.
Joana suspirou. Era verdade que os seus predecessores tinham utilizado o episcopado como instrumento político, distribuindo bispados entre as famílias romanas, como tesouros escolhidos. Joana discordava com esta prática porque tinha resultado numa grande quantidade de episcopi agraphici – bispos iletrados, que tinham espalhado todo o tipo de ignorância e superstições. Afinal, como é que um bispo podia interpretar correctamente a palavra de Deus para o seu rebanho, se nem sequer era capaz de a ler?
- Uma posição tão importante – respondeu ela, calmamente – deve ser para a pessoa mais qualificada. Nicéforo é um homem culto e piedoso, será um óptimo bispo.
- É natural que assim penseis, uma vez que sois estrangeiro.
Daniel utilizou deliberadamente o termo barbarus, e não o termo peregrinus, mais neutro.
Os outros ficaram manifestamente incomodados.
Joana fitou Daniel directamente nos olhos.
- Isto não tem nada que ver com Nicéforo – replicou ela. – Sois guiados por motivos egoístas, Daniel, pois quereis que o vosso próprio filho, Pedro, seja bispo.
- E por que não? – indagou Daniel, num tom defensivo. – Pedro é mais adequado para o lugar em virtude da família e do nascimento.
- Mas não por capacidade – ripostou Joana num tom seco.


Donna Woolfolk Cross, A Papisa Joana, Editorial Presença, Lisboa, 2000, p. 416

Ultimamente tenho conhecido pessoas que vivem agarradas à ilusão de que valem muito por serem de determinada cor política, por conhecerem uma mão cheia de pessoas influentes devido à cor do dinheiro e, alegadamente, à tradição familiar do berço de oiro.
De facto essas pessoas safam-se muito bem, e vivem bem porque conseguem de forma imediata abraçar a materialidade que as estimula para saírem do vazio que encontram em casa, nas suas vidas.
E o mérito senhores, onde fica o mérito? Será que o mérito é das pessoas que por serem filhas de A ou de B, por serem amigas de X ou de Y, conseguiram uma boa posição profissional e reconhecimento em determinada actividade?
Não será o mérito antes o fruto do trabalho, dedicação, esforço por atingirmos, por nós próprios, um lugar ao sol?
O problema é que este mérito não interessa nada, muitas vezes…E o sol continua a brilhar sobretudo para os Pedros e os Danieis a que o excerto da Papisa Joana faz alusão.

2 comentários:

Comodoro disse...

Boa
Amei, é mesmo verdade
Mas olha se estivermos bem connosco, é o melhor e seremos felizes à nossa maneira e isso é o que interessa
Parebéns

Anónimo disse...

Berço do quéim?????? Queriam... Por essas e por outras é que andam por aí a falar à Alcabideche (povoação perto de Cascais) e de vez em quando lhes foge o articular da frase para um cantado "Que jêêêêteee!..."