segunda-feira, fevereiro 27, 2006

SONS, CORES, CHEIROS E SABORES...

Estava na altura de começar a dar mais cor aos meus escritos.
Por essa razão, porque também gosto muito de rir, e o espírito positivo também me caracteriza, aqui ficam mais umas passagens da Senhora Sócrates, de Messadié, carregadas de descrições que nos transportam para uma alegre e movimentada área comercial tradicional onde a possibilidade de petiscar e de despojar a carteira dos poucos Euros que por lá existem de forma efémera, fazem de nós aquilo que todos somos, seres mundanos, com prazeres materiais, com olhos cobiçosos, com defeitos, com virtudes, com alegrias, com tristezas, com VIDA, atentos aos sons, cores, cheiros e sabores que nos rodeiam.
A pouca distância ergue-se um edifício muito comprido; (...) é constituído por uma simples galeria colunada (...) [que] dá para umas salas, a maior parte das quais se destina ao comércio. Trata-se da Stoa do Sul (...) onde se podem encontrar, para além de Aristides [o taberneiro, ou se quisermos, o dono de um bar] (...), Caralâmbis, o alfaiate, Talassúmenos, o comerciante de pergaminho, que também exerce as funções de livreiro (...). Também lá se encontra Alexos, o ourives, que faz por encomenda louça de prata ou de ouro, com o retrato do cliente ao centro; Eugénio, o ceramista, que vende determinadas peças decoradas a um preço superior ao que valeriam se fossem de prata; Melésias, o escrivão público, para os apaixonados desprovidos de imaginação, que cobra dez dracmas por uma carta de 20 linhas, e 20 por um epigrama; sabe conceber para a donzela e para o efebo epigramas galantes, que valem ao que os envia a reputação de letrado de bom gosto (...). E Tsimis, o sandaleiro mais célebre e mais rico do mundo grego desde que confeccionou para personagem sandálias ornamentadas de prata e pedras azuis; Sólon, o comerciante de óleo, que também vende vinagre, sal e ervas; Mirónides, o advogado (...).
Aí se encontra também Aixoni, o cabeleireiro, que só penteia na sua loja pessoas de condição modesta, porque as outras o convocam para suas casas, como certas heteras, que mudam de penteado sempre que têm um jantar (...). Aí se encontra o célebre Demis, comerciante de produtos de salga, queijos, azeitonas, sardinhas secas, que também vende frutos secos; Ortodoxos, o farmacêutico, cuja loja tresanda à nafta que manda vir da Palestina por alto preço e com a qual fabrica uma pasta repulsiva com óleo e cravinho, para tratar os reumatismos; mais discretamente, também vende esponjas contraceptivas. E Clázio, que aluga carpideiras para os enterros, e cuja casa é, como seria de esperar, contígua à do boticário. Anásio é mercador de mel do Himeto ou do Licabeto; Aristides, o mercador de vinho (que recomenda a cada pessoa o mais adequado ao respectivo temperamento e às circunstâncias: um Samos encorpado para os encontros galantes, um Quios ligeiro para as refeições alegres), vende vinho à taça, barato, mas também cerveja e hidromel. Juntemos-lhe ainda dois padeiros, três comerciantes de charcutaria e dois comerciantes de frutas.
Finalmente, temos Nicolau e Zopiris, que se encontram exactamente nas duas extremidades das galerias e dedicam um ao outro um ódio sem falhas, porque exercem ambos a mesma profissão: fabricam flautas e liras.
É também na Stoa que se encontram os especialistas de pequenos ofícios, como o depilador com cera, o massagista, o entrançador de grinaldas, o homem que aluga dançarinos e acrobatas, e até o que lança as sortes. Para o final da tarde, as prostitutas e os rapazes passeiam por ali, na esperança de arranjar quem lhes ofereça de jantar e uma moeda. Na esplanada, as pequenas tendas, que abrem de manhã e só fecham caída a noite, vendem pequenos fritos e saladas.
Este excerto, simples, descritivo, enérgico, sintetiza bem os prazeres mundanos da vida. Quase que sinto os cheiros, os pregões, os encontrões das pessoas, quase que tenho vontade de saltar desta cadeira em que me encontro e lançar-me à procura do que mais de parecido, a uma hora destas, há com uma rua com tal oferta de produtos...

domingo, fevereiro 26, 2006

A(S) SENHORA(S) SÓCRATES

Xantipa sabia muito bem por que razão Sócrates a não convidava a entrar nos seus aposentos; era porque não estava só. Era frequente receber pessoas que vinham consultá-lo sobre assuntos da Cidade que preferiam não debater em público; pagavam-lhe por isso e os seus ofícios de conselheiro engordavam o magro estipêndio que ele recebia na sua qualidade de conselheiro do primeiro estratega, Péricles. Mas acontecia os visitantes demorarem-se e passarem lá a noite, e não era difícil adivinhar que as suas conversas assumiriam um carácter mais íntimo. Esses momentos sossegavam Xantipa: ela sabia que Sócrates a não trocaria por outra mulher. Fiel à tradição ateniense, de acordo com a qual a companhia das mulheres amolece os homens, ele preferia estes últimos. Sem paixão, aliás, uma vez que se defendia dela. Xantipa compreendera desde muito cedo que o prazer e o sentimento se repelem mutuamente, e os homens, achava ela, eram tão fiéis aos seus companheiros de cama como às putas dos bordéis.
Gérald Messadié, A Senhora Sócrates, Quetzal Editores, p. 22
Este é um excerto do livro que actualmente me encontro a ler, e que permite, no século de Péricles, vislumbrar o quotidiano e as mentalidades atenienses, focando, de uma forma interessante, o homossexualismo socialmente aceite enraízado no seio de famílias influentes.
A protagonista da história é Xantipa, uma mulher que, contrariamente ao que vulgarmente sucedia na sociedade grega antiga, se manteve solteira, contra sua-vontade e para mal da sua então baixa auto-estima, até aos 24 anos de idade. Dotada de traços rudes e de fraca beleza exterior, mas de fortes convicções interiores, eis que finalmente Xantipa é pretendida pelo filósofo Sócrates, que se dirige a Hélia, mãe da solteirona, para a pedir em casamento.
Casados e instalados numa residência num bairro in da cidade de Atenas, rapidamente Xantipa dá a Sócrates dois filhos homens e, segundo Gérald Messadié, depressa Xantipa sente que o sexo não é para si, valorizando mais o afecto e o respeito conjugais. Enfim, sentia-se realizada como mãe e não se importava de prescindir dos afectos sexuais que para si foram, ao que parece, dolorosos e até chocantes, face à sua "pureza" de idade tardia, pela qual achava que os órgãos genitais masculinos eram pequenos como os que representavam os escultores clássicos.
Eis que, na sua fraca propensão para os apetites do sexo, Xantipa descobre a homossexualidade do seu marido, intervalada com as recepções de trabalho que o ocupavam até altas horas da noite nos seus aposentos privados. Sem se deixar magoar, ferir, Xantipa terá preferido esta situação que considerava devaneio sem importância, a uma situação de romance entre Sócrates e outra mulher, pois via nos casos homossexuais de seu marido simples e inocentes idas a um bordel, das quais não restava mais do que o saciar dos desejos da carne.
Não poderá esta história perfeitamente ser transportada para o presente real, em que tantas "senhora(s) sócrates", acomodadas numa vida de conforto, realizadas por serem mães, silenciadas por crenças naquilo que elas pensam ser os devaneios homossexuais sem importância dos maridos, aceitam de bom grado pactuar com a hipocrisia da sociedade, que aclama a mentira e aponta o dedo aos que, de forma corajosa, enfrentam a sociedade em prol da sua verdadeira natureza?
Há coisas que parecem teimar em não mudar...

sábado, fevereiro 25, 2006

FIM DE NÓS DOIS...

Logicamente não vou por aí,
Porque estás à minha espera,
Fico longe de ti,
Não quero ser quimera.

Sabes que não consigo,
Odiar-te e tão pouco,
Gritar-te feito louco,
A ti a quem persigo.

Espera por mim, não vás,
Estou precisado de ti,
Não, não me deixes em paz.

Vou-me porque sofri,
Demais quando estive a teu lado,
Fico longe de ti.

domingo, fevereiro 19, 2006

Soneto da vida...

Da vida, cheia de eventos,
Belos, tristes, comoventes,
Perfumados, bafientos,
Arrojados, indecentes.

Agradece à vida,
Teres recebido coragem,
A força investida,
De alcançar a outra margem.

A força de querer ser,
De estar ao pé de mim,
De me querer, enfim.

Liberdade para pensar,
Vontade de fazer,
Loucura, sobriedade, amar.

Soneto da solidão

Condição tua, minha, dele e dela,
Realidade não menos bela,
Quando buscada,
E encontrada.

Condição triste,
Se em nós existe,
A mágoa, o medo, a dor,
A perda do amor.

Felizes, contentes, estão,
Os que escolhem estar sós,
Sem dores nem dós.

E quem não está só,
De alguma maneira?
Na expiração derradeira.

domingo, fevereiro 05, 2006

DESENGANEM-SE OS QUE PENSAM QUE "AQUI DEL GAY" É FÁCIL...

Quando escrevi o "Aqui del Gay..." algumas pessoas parecem tê-lo entendido como uma crítica ao mundo homossexual, mas o que não entenderam foi que se tratava de uma melopeia, de uma lamentação, muitas vezes face à forma como eu próprio reajo ao que me é adverso.
Reacções de desânimo, baixa auto-estima, frustração, revolta, mas também reacções de autenticidade, sinceridade, consciência tranquila, respeito próprio.

Aqui del Gay...

As chalaças, as piadas, as bocas,
A sinceridade, o grito, a revolta,
As palavras loucas,
O desprezo auto-infligido, na volta,
É sintoma de fraquezas, não poucas.

A alegria, a sedução,
A disponibilidade e a prontidão.
A solidão e a coragem,
Colocados na margem.

O medo de magoar alguém,
A perda de outrém.
Choros de desdém,
Por não se ter ninguém.

Conforto, carinho,
Amor e beijinho,
Abraço apertado,
Coração exaltado.

Materialismo,
Coisas banais.
Lirismos,
Riquezas fulcrais.

Leituras, artes,
Brinquedos e devaneios.
Compras em muitas partes,
Encobrem os nossos receios.