quinta-feira, julho 06, 2006

D. Luís I - Subsídios para uma (re)leitura biográfica



> Rei D. Luís I, óleo sobre tela da autoria de Machado, 1871, Palácio Nacional da Ajuda, in GODINHO, Isabel da Silveira (Coord.), Rei D. Luís I - Iconografia, Palácio Nacional da Ajuda, 1990.
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Introdução
Este é um trabalho essencialmente biográfico. Ao nível do senso comum, as biografias são relatos da vida de determinada pessoa, importante por alguma razão. Este método foi muito cultivado em Roma (os chamados retratos), e igualmente durante a Idade Média, sendo fundamentalmente biografias de Santos, pessoas cuja vida era exemplo a seguir, portanto, denominadas hagiografias. Não é, contudo, exclusivamente uma biografia, pois esta vai ser enquadrada num campo mais amplo, de enquadramento espácio-temporal, de cerimoniais e práticas comuns, imagem de uma sociedade com as suas crenças e valores[i].

Irei, de vez em quando, apresentar documentos que transcrevi, alguns deles diplomáticos, bastante privilegiados na época do positivismo, precisamente em Oitocentos, o século da História por excelência, em que houve uma exploração sistemática das fontes, sobretudo ao nível da temática política.

Foram também importantes para as minhas pesquisas alguns documentos literários, utilizados no próprio texto, testemunhos bem realistas do século XIX, apesar de se cair no risco de enveredar por pontos de vista facciosos.

Outro tipo de fontes utilizadas foram algumas memórias, concretamente as de Thomaz Mello Breyner, – quarto conde de Mafra, professor e médico de profissão –, que são um óptimo cruzamento da vida do autor com a sociedade do tempo, e sobretudo com a família real portuguesa, à qual ele esteve muito ligado, sendo companheiro de brincadeiras dos filhos de D. Luís – D. Carlos e D. Afonso. Os seus dois volumes de memórias foram-me mesmo muito úteis para apurar alguns traços psicológicos, costumes e ocupações do rei.

Foi minha estratégia, mais ou menos corrente, o cruzamento e articulação de fontes de diversos tipos, transcritas sempre de acordo com a ortografia do original.

Em suma, com este trabalho pretendo evocar uma época de mudanças, já bastante abordada, mas não do ponto de vista da realeza, que nunca foi tão esquecida como nesse período. Sendo D. Luís considerado como um homem desligado do plano material da governação[ii], num reinado considerado pacífico, mais preocupado em cultivar os seus lazeres, as suas artes (que não eram poucas), delegando os poderes políticos a diversos ministérios, dentro de um rotativismo partidário, é preciso frisar que as inovações realizadas no seu reinado contaram com a aprovação deste monarca. Ele próprio de espírito inovador, – um liberal –, estava consciente da importância e necessidade de modernização do país, tão abalado por sucessivas perturbações durante a primeira metade do século XIX.

A época de D. Luís marca uma ascendente prosperidade e prestígio portugueses, ainda que aparentes. Esse prestígio foi, a nível internacional, assegurado pelo monarca, nas suas viagens pela Europa, movimentando-se com facilidade por entre as diversas casas reais europeias, com as quais tinha, na generalidade, boas relações de amizade. Pela figura simpática e cordial do nosso rei, que se mostrou um grande embaixador de Portugal[iii], este país foi fazendo, pouco a pouco, a sua “reentrada na Europa”, que se revelava como o continente hegemónico em vias de grande desenvolvimento. E tal foi o reconhecimento que D. Luís recebeu, que se viu diversas vezes condecorado por vários soberanos estrangeiros, e não só europeus[iv].

É, portanto, meu objectivo localizar, para além de biografar, um homem na época em que viveu; deixar aqui traçados os momentos mais importantes da sua vida e da sua morte, a sua faceta de homem, de rei e de artista.
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[i] Ferrarotti, Franco, Histoire et Histoires de Vie, la méthode biographique dans les sciences sociales, Méridiens Klincksieck, Paris, 1990, p. 9: (tradução nossa) “As personagens e as suas famílias tornam-se reveladores das situações e das relações sociais, das relações numa cultura dentro dos debates da vida quotidiana”.
[ii] Almeida, Fialho de, Os Gatos, Círculo de Leitores, vol. 1, p. 56: “Neste Carnaval de Braganças é pois V. M. o único que intenta penetrar os umbrais da História sem bagagem – apenas com a sua traduçãozinha do Hamlet, a greve dos chapeleiros, o sr. José Luciano preso por uma corrente ao realejo constitucional onde há vinte e seis anos V. M. mói a sua própria marcha fúnebre. Ah. que pobreza de feitos históricos! que supressão de vícios e manias! que ausência de vultos glorificadores da sua governação [que grande mentira]!”; p. 58: “Ah, que vida monótona tem sido a de V. M. ... jantarinhos de canja magra no quarto, violoncelos quando vão artistas de S. Carlos, e como hors-d’oeuvre, a pouca vergonhazinha extramatrimonial às quintas-feiras!... V. M. carece de sair quanto antes dessa apatia”.
[iii] “Elogio Histórico de El-Rei o Senhor D. Luiz I”, por José Frederico Laranjo, in O Instituto, Imprensa da Universidade, Coimbra, volume XXXVII, 2.ª série, Julho de 1889 a Junho de 1890: p. 285: “Elle, no extrangeiro respeitado e querido dos outros soberanos”; Ver nota 4.
[iv] D. Luís I, Duque do Porto e Rei de Portugal, Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa, 1990, p. 281: “As ordens honoríficas, como forma de público apreço, desenvolveram-se no decorrer do século XVIII, embora a sua origem remonte à Antiguidade. No século XIX constituíam, factor determinante nas relações diplomáticas entre estados, com trocas mútuas de condecorações que estavam sujeitas a regras protocolares precisas. As ordens honoríficas eram frequentemente destinadas a premiar actos de bravura, em tempo de paz ou guerra, mas ganhando naturalmente profusão nos campos de batalha. No período coincidente com o reinado de D. Luís, os cortesãos eram condecorados pela sua fidelidade e competência, aproveitando-se por vezes ocasiões de especial relevo para se atribuírem as condecorações. D. Luís I foi naturalmente detentor do mais alto grau de todas as ordens portuguesas, o grão mestrado. Quanto às estrangeiras, o grande número de condecorações com que este soberano foi agraciado demonstra bem o aumento do prestígio internacional do nosso país, recuperado após décadas de guerras e instabilidade que o tinham desacreditado no contexto das nações”.

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